Extintas, casas de show que ajudaram a construir a identidade cultural de São Paulo deixam saudade

Show do Ratos de Porão no Aeroanta

É impossível falar da noite em São Paulo na década de 80 e 90 e não citar os seguintes nomes: Aeroanta, Rose Bom Bom, Dama Xoc e Madame Satã. Importantes para toda uma geração, essas casas de shows ajudaram a consolidar a cena musical da cidade e fizeram parte da história de dezenas de bandas e de quem viveu a efervescência cultural desse período.

Mito da noite paulistana, o Madame Satã aglutinava em um só lugar todos os tipos de manifestações artísticas e tribos. Não era raro encontrar punks em um sarau de poesia ou em uma performance de um transformista. A casa noturna, que tinha uma pista de dança bem escura no porão, foi berço de bandas como Titãs, RPM, Inocentes, Mercenárias, Nau e tantas outras.

O Satã era refúgio de punks, góticos, skinheads, travestis e gays, onde os chamados “underdogs” paulistanos podiam ousar, mostrar irreverência e experimentar a novidade. José Sidnei do Prado, o DJ Magal, trabalhou no Madame Satã nos tempos áureos da casa, entre 1983 e 1987, até o fechamento. Para ele, não houve mais outro lugar como o Madame Satã.

“O público da época era diferente. Todo mundo convivendo numa boa, ávidos por novidade e na mesma vibe”, lembra o DJ. A casa fechou em 2009 e reabriu este ano com o nome de Madame, no mesmo endereço. Mas sem vínculo com os antigos donos e sem a “magia” que tomou conta do lugar nos anos 80.

No documentário “Madame Satã – O importante é ser eu e não o outro”, o jornalista Alex Antunes define o Satã como o ponto focal de uma geração. “Ouso dizer que, exceto a Semana de 22, foi o momento mais legal e mais específico da experiência cultural em São Paulo”.

Palco para novidade

“O Aeroanta não teria sido o que foi sem o contexto político e cultural que a gente vivia”, afirma Beto Padiani, ex-dono da famosa casa, hoje velejador profissional. O Aeroanta ficava na Rua Miguel Isasa, nº 404, no Largo da Batata, endereço que foi “engolido” com a expansão da Avenida Faria Lima. Foi no Aeroanta que uma infinidade de bandas achou um canto para tocar e, principalmente, gente disposta a assistir.

O jornalista e autor do livro “O Diário da Turma”, Paulo Marchetti, guarda boas lembranças do lugar. “O palco era maior e havia uma estrutura que você não encontrava em outras casas. A casa marcou uma geração e foi uma referência para as bandas e para quem curtia música”, conta Marchetti.

“Acontece que a casa abriu numa época (em 1987) que fervilhava banda na cidade querendo um lugar pra tocar”, emenda Beto. “Lembro de quando o Nelson Motta nos apresentou uma garota, a Marisa Monte. Ela ainda não tinha feito nenhum show, estava começando a carreira.” Além de Marisa, artistas como Ed Motta, Cazuza, The Falla, Ira, Cássia Eller, Garage Fuzz e Jello Biafra, vocalista do Dead Kennedys, passaram pelo palco do Aeroanta, que baixou as portas em 1996. “Todo lugar tem sua vida útil. Uma hora acaba”, enfatiza o atual velejador.

1, 2, 3, 4!

A antiga fachada preta do Madame Satã

Em maio de 1991, a banda punk Ramones tocou pela primeira vez em São Paulo, por três noites seguidas. O show, hoje antológico, rolou na extinta Dama Xoc, casa que abriu em 1988 e, diferentemente das “concorrentes”, não tinha pista de dança ou restaurante. Era apenas um lugar para shows.

E muitos rolaram por lá: Raul Seixas e Marcelo Nova, Legião Urbana, o show de despedida do RPM (o primeiro), Barão Vermelho, Plebe Rude… Já em fase decadente, no fim dos anos 90, grupos de pagode e música gospel “tomaram” conta do lugar. O Dama Xoc fechou em 2003. O número 100 da Rua Butatã abriga hoje uma agência da Previdência Social.

O jornalista Paulo Marchetti também frequentou o Dama Xoc e lamenta que não existam mais lugares como aquele. “Se há algo que possa ser comparado ao que foram essas casas de show é o Baixo Augusta. Mas o contexto é outro, a diversão era outra. Só quem viveu o fim dos 80 para saber.”

(Caroll Almeida)

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Uma resposta a Extintas, casas de show que ajudaram a construir a identidade cultural de São Paulo deixam saudade

  1. Fabiano Ferraro de Oliveira disse:

    Deixando bem claro: Nasci e cresci no bairro do BIXIGA, S.P. e frequentei o Satã desde meados dos anos 80/90 e frequento hj. Vcs estão errados! Assim como tudo e todos, prosseguimos… O novo dá lugar ao velho. Sim, o MADAME SATÃ foi muito importante nesse cenário, mas o novo MADAME vem para colocar a casa no cenário UNDERGROUND MUNDIAL! Desnecessário dizer que isso se dá ao profissionalismo dos atuais administradores que buscam um empreendimento seguro a todos os frequentadores. Olhe a lista de eventos e tirem suas conclusões… E claro, não deixem de visitar a casa, irão se surpreender.

    SALUTE!